quarta-feira, 22 de abril de 2015

O Terroir do Seridó

Ao viajar pelo Seridó encontramos culinária com assinatura própria. O seridoense preserva a autêntica cozinha que por sua expressividade, pode fazer bonito em qualquer lugar, pois, cozinha regional é uma tendência gastronômica no mundo inteiro, inclusive nas mesas mais exigentes.
A cozinha do Seridó preserva e reconhece as tradições. Proporciona redescoberta dos bens culturaise materiais, auxiliando na organização da identidade do seu povo. Se caracteriza por sua singularidade. Não à toa, o povo seridoense se mantém orgulhoso da própria origem e especialmente de seus produtos. A culinária reconhecida é motivo de elevação da estima.
Observo no Sertão do Seridó a preocupação com a preservação de maneiras de produção locais, onde muitos dos produtores temem a adequação forçada as normas da vigilância sanitária. Tais adequações alterariam completamente as características organolépticas dos produtos, como também alterariam de forma brusca os modos de preparo. As especialidades são focadas na qualidade e na tradição. As receitas são bens familiares, passados como herança de geração em geração
O terroir é uma tendência que contesta a padronização do paladar. Nos queijos do Seridó, percebemos diferença entre os queijos de cada produtor. Alguns mais úmidos, outros mais salgados, com a mesma forma de preparo e mesmo assim diferentes entre si, como se espera de um produto de terroir. É a identidade cultural desafiando a globalização.
Além dos queijos de coalho e de manteiga existe uma infinidade de biscoitos e bolos, doces diversos e até um doce que tem como base o sangue de porco, o doce de chouriço.
O chouriço é preparado em dias de festa, sob a supervisão da senhora mais antiga da família, o doce cozinha em fogo à lenha durante todo o dia por aproximadamente 9 horas, onde mulheres se revezam mexendo o tacho. É proibida a presença de mulheres em período menstrual, acreditando que tal presença faz com que o doce talhe. A feitura do chouriço é um momento festivo, que envolve toda a família, vizinhos e amigos. Depois da matança do porco, o sangue é retirado, talhado e depois levado ao fogo com rapadura, banha de porco, castanha de caju, farinha de mandioca, leite de coco, cravo, canela, gengibre e pimenta do reino e erva-doce.
De acordo com a pesquisadora Maria Isabel Dantas “A festa revela laços de solidariedade tradicionais que existem numa sociedade
organizada em torno da agropecuária. Apesar das mudanças ocorridas nessas últimas
décadas com o êxodo rural, quando muitas famílias que residiam no campo foram
impulsionadas a migrarem para os centros urbanos, causando muitos problemas, em
especial a dispersão familiar, ainda se continua a criar porco e a fazer chouriço no Seridó.
Observa-se que essa tradição de família tem sido mantida e/ou reinventada por diversos
grupos de parentes em alguns municípios do sertão seridoense, o que nos faz pensar ser
esse um pretexto para preservação da memória e da identidade do grupo e de uma tradição alimentar.”
A carne de sol é protagonista, consumida diariamente juntamente com o arroz vermelho do sertão preparado ao leite. As peças de carne são comumente encontradas quarando no sereno, penduradas nos alpendres dos quintais. Pilada como paçoca , “torrada”(selada em frigideira), assada na brasa ou desfiada com nata.
Curimatãs que em época de cheia nadam contra a correnteza para a desova são como um presente extra, além das chuvas. Ovas são preparadas com leite de coco e nata e os sertanejos fazem a festa nas margens do Rio Piranhas. É a consagração da fartura!
As caças são muito apreciadas por todos que vivem aqui. Mesmo proibidas, as caças ainda fazem parte da mesa do sertanejo. Os tamanduás, os tijuaçus, os pebas, as arribaçãs garantem a subsistência dos mais necessitados, mas também, proporcionam prazer aos mais abastados. Teju recheado, peba guisado, preá torrado sempre presentes nos cardápios dos bares locais.

O hábito do café da tarde reúne todos ao redor da mesa, entre sequilhos, orelhas de pau, raivinhas, bolos e doces diversos. Abundância compartilhada entre a família, vizinhos e visitantes deslumbrados como eu. Outro dia , enquanto pensava na vida e observava as pessoas em um banco de praça em Jucurutu, uma senhora me chamou:
- Ei, menina! Você gosta de café?
Me convidou para o café da tarde e ficamos amigas. Dona Leó, uma franzina senhora comerciante de Jucurutu, para se aproximar de mim, utilizou seu maior trunfo: A arte de receber. Os seridoenses são apaixonados por receber e recebem de forma inigualável. A mesa sempre é atração principal. O café da tarde é um evento de longa duração e de grande descontração.
A cozinha seridoense é generosa, pungente e feminina. No cotidiano, mulheres lutam para criar os filhos, com todas as dificuldades geradas pelas secas de uma vida inteira. São Severinas mães, avós e bisas defendendo a vida. Carregam geneticamente o dom de amar e de transformar dentro da adversidade. É o equilíbrio entre o bom ingrediente, a tradição e a necessidade que faz dessa cozinha o principal terroir do Rio Grande do Norte e um dos principais do Brasil.

Gabriela Sales

  • Gabriela Sales
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